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Saturday 29 December 2012

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 Quando ouvimos falar no nome de Martin Scorsese, a primeira coisa que nos vem à cabeça são obras como "Taxi Driver", "Raging Bull", "Casino", "The Goodfellas", "The Departed", entre muitas outras, que estão bem distantes de "A Invenção de Hugo", a adaptação do célebre livro "The Invention of Hugo Cabret", de Brian Selznick. Para espanto de muitos, Scorsese decidira adaptar uma obra literária associada ao público infantil, num filme destinado a um público de todas as idades. Longe dos gangsters, de boxeurs e taxistas, o que Martin Scorsese faz em "Hugo" é muito mais do que mostrar a sua versatilidade, mas também elaborar uma ode ao cinema, um filme que remete para a atmosfera das mais belas histórias de encantar, onde um jovem órfão que habita a estação de comboios prepara-se para viver um conjunto de extraordinárias e encantadoras aventuras. Esta ode ao cinema, em estilo de homenagem, ao mesmo tempo que desenvolve um clássico instantâneo, surge logo no início com a presença na loja da estação de George Méliès, um nome incontornável na história do cinema, com uma capacidade única de fazer sonhar o espectador.
 Hugo Cabret não é o típico jovem que vive uma vida feliz ao lado dos pais. Órfão, sem amigos, este vive abandonado na estação de comboios de Paris, a Gare Montparnasse, em 1931. O pai (Jude Law), o trabalhador de um museu, ensinara-lhe um pouco do seu ofício, mas não tivera tempo para educá-lo, pois morrera num incêndio.
Sem pai nem mãe, Hugo passa a ter a companhia do seu tio, um indivíduo beberrão que pouco quer saber do sobrinho, e que desaparece misteriosamente. O seu quotidiano passa por furtar pequenas peças soltas da loja de Georges Méliès, na esperança de conseguir colocar a funcionar o autómato que o pai lhe deixara. Perante a descoberta de um caderno com os desenhos do autómato, Méliès fica intrigado e fica com o objecto da criança, ao mesmo tempo que a denuncia ao Inspector Gustave por roubar peças da sua loja. Enquanto procura fugir das autoridades, Hugo tenta recuperar o caderno, acabando por conhecer Isabelle (Chloë Grace Moretz), a neta de Méliès, uma jovem da sua idade, que embarca numa jornada de aventuras ao lado do protagonista, enquanto procuram colocar o autómato a funcionar e descobrir os segredos que este guarda, algo que promete trazer-lhes um conjunto de surpresas, enquanto Martin Scorsese diverte-se a transformar a sala de cinema num palco de magia, onde o cinema é homenageado e o público encantado.
 A certa altura do filme, o pai de Hugo revela-lhe que o segredo para colocar o autómato a funcionar está no núcleo. No caso de "A Invenção de Hugo", o segredo para colocar o filme a funcionar está mesmo no núcleo do filme, na alma que Martin Scorsese lhe confere, uma narrativa digna dos mais belos contos de encantar, que surge alicerçada com um magnífico trabalho de fotografia, um argumento bem escrito, boas interpretações por parte da maioria do elenco, uma banda sonora adequada a cada momento, enquanto o cineasta desenvolve uma obra que transforma a sala de cinema num local onde podemos sonhar, onde o cinema se torna em algo de sagrado e capaz de evadir o espectador de toda a realidade quotidiana.
Esse sonho, surge associado à magia que o cinema causa nos personagens e contagia o espectador, enquanto Martin Scorsese, ele próprio um nome de respeito na história do cinema, decide homenagear a sétima arte e um dos seus génios, o lendário George Méliès. À medida que as obras do cineasta vão sendo redescobertas, todo um baú de pequenas histórias do cinema são levantadas, enquanto Martin Scorsese povoa a narrativa de trechos de obras como "L'arrivée d'un train en gare de La Ciotat" (1985), dos irmãos Lumière; "Le voyage dans la lune" (1902), de Georges Méliès; "The General" (1926), protagonizado por Buster Keaton; referências a obras como "Robin Hood", de Douglas Fairbanks, ao mesmo tempo que somos apresentados a alguns factos (mesclados com ficção) sobre a vida de Geoges Méliès.
 É notável o conhecimento e argúcia de Martin Scorsese para conseguir desenvolver uma obra cinematográfica que tem como pano de fundo a própria história do cinema, um período no qual o cinema ainda estava a ser descoberto, no qual houve todo um encanto, ao mesmo tempo que apresenta a história de Hugo na Paris do início dos anos 30. Esta Paris surge estilizada, próxima do sonho, de uma cidade idealizada e nunca a real, com o cineasta a procurar evocar a magia de algumas obras pioneiras, de fazer o espectador sonhar perante a magia do cinema. A verdade e a aproximação do real não parecem interessar muito a Scorsese, mas sim homenagear os filmes e o cinema, ao mesmo tempo que apresenta uma história onde não falta drama, humor e aventura, no qual Asa Butterfield revela-se uma agradável descoberta como Hugo Cabret, um jovem que procura colocar a funcionar o autómato criado pelo pai, um objecto que serve como ligação com o falecido familiar, ao mesmo tempo que lhe abre uma porta mágica de aventuras ao lado de Isabelle (uma cada vez mais convincente e talentosa Chloe Grace Moretz), enquanto se depara com os mais estranhos personagens, que vão desde o conhecido Georges Méliès (interpretado por um Ben Kinglsey em grande forma) a um polícia excêntrico sempre acompanhado pelo seu doberman (Sacha Baron Cohen tem aqui um papel mais contido, que serve de alívio cómico e remete para o clima algo estilizado do filme, ao apresentar uma personalidade muito peculiar e própria desta cidade sonhadora).
 Numa obra que excedeu o orçamento de forma pouco recomendável, "Hugo" mostra que o dinheiro não foi "enterrado" num saco sem fundo, mas sim em toda a criação de um universo próximo do sonho, estilizado, uma Paris próxima da fantasia, onde uma estação de comboios pode transformar-se num local mágico, a sala de cinema no local dos sonhos, sobressaindo o notável trabalho do director de fotografia Robert Richardson, enquanto a banda sonora remete exactamente para esse conto de encantar. Apesar de todo este clima estilizado, não deixa de ser curioso que Scorsese procure sempre apresentar um pouco do contexto histórico e social da época, que vão desde o período pós-Primeira Guerra Mundial, no qual a população francesa parece ter-se desinteressado dos filmes de Méliès, passando pela realidade das fracas condições de vida de alguns jovens (representado por Hugo). A própria história do cineasta Georges Méliès surge com vários episódios próximos do real, ao mesmo tempo que Scorsese mostra o seu conhecimento de cinema (e por vezes de literatura) ao preencher a narrativa com referências a várias obras clássicas e marcantes da história do cinema, naquele que muito provavelmente é um dos filmes mais pessoais do cineasta, compartilhando com o público aquilo que o cinema significa para si.
Ao longo dos cenários do filme é possível encontrarmos a presença de vários relógios, sejam na estação de comboios ou no local de trabalho do pai. Esses relógios, que nos guiam em relação à passagem do tempo, das horas, dos minutos dos segundos, parece que deixam de funcionar ao longo de "Hugo". O tempo para, a narrativa avança, somos tomados por este conto de encantar, recheado de fantasia, sonho e ilusão, onde Martin Scorsese homenageia o cinema e brinda o espectador com um dos melhores filmes a estrear nas salas de cinema portuguesas em 2012.

Classificação: 5 (em 5)

Título original: “Hugo”.
Título em Portugal: “A Invenção de Hugo”.
Título no Brasil: “A Invenção de Hugo Cabret”.
Realizador: Martin Scorsese.
Argumento: John Logan.
Elenco: Asa Butterfield, Chloe Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Jude Law, Christopher Lee, Emily Mortimer, Ray Winstone.

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