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Wednesday 26 December 2012

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 Podemos acusar Wes Anderson de ter vários defeitos, mas nunca de não manter um estilo muito próprio, que permite às suas obras cinematográficas serem particularmente distintas em relação a tantos outros filmes que estreiam nas salas de cinema. "Moonrise Kingdom" insere-se exactamente no estilo distinto de Anderson. Não falta um interesse específico nos personagens desajustados da sociedade, uma fotografia elaborada, um tom algo idílico que por vezes contrasta com os personagens que habitam a narrativa, entre outros elementos, num filme que capta como poucos o amor na juventude e as descobertas da infância, demonstrando a criatividade e imaginação de Wes Anderson.
 Tendo como pano de fundo uma pequena ilha de New England chamada de New Penzance, "Moonrise Kingdom" acompanha a história do órfão Sam Shakusky, um jovem escuteiro Caqui, de doze anos de idade, que consegue o feito de não ter a simpatia dos seus colegas nem dos seus pais adoptivos, mas de conquistar o coração da jovem Suzy Bishop (Kara Hayward). Curiosamente, Suzy também não é o protótipo da rapariga popular. Filha de um casal de advogados (Bill Murray e Frances McDormand), Suzy vive com os seus três irmãos até ter tomado a decisão de fugir com Sam para irem viver juntos num acampamento. Casal de crianças a viverem como adultos, o desaparecimento de ambos cedo gera o pânico junto dos escuteiros, em particular de Ward (Edward Norton), o Mestre dos Escuteiros, do chefe da polícia Sharp (Bruce Willis) e posteriormente dos pais de Suzy, quando descobrem que a filha está desaparecida.
 Wes Anderson capta com uma enorme candura e sensibilidade o quotidiano deste jovem casal algo alienado da sociedade, que encontra na fuga uma forma de escaparem a uma realidade que não lhes agrada. Enquanto os escuteiros, a polícia e os pais de Suzy procuram pelos jovens, estes exploram o primeiro amor, a sua intimidade, a sua capacidade de dialogar, os seus corpos e até a beijarem-se, numa obra que aborda o isolamento dos jovens, os sonhos da infância, a urgência dos jovens em viverem cada momento como se fosse o último durante as férias, a alienação da sociedade e a solidão.
 Na sua crítica a "Moonrise Kingdom", o prestigiado crítico norte-americano Roger Ebert salientou na introdução: "Wes Anderson's mind must be an exciting place for a story idea to be born. It immediately becomes more than a series of events and is transformed into a world with its own rules, in which everything is driven by emotions and desires as convincing as they are magical". É exactamente isso que acontece em "Moonrise Kingdom", onde Wes Anderson cria uma realidade e um local à parte onde um jovem rapaz e uma jovem rapariga apaixonam-se e fogem de tudo e todos, uma realidade fantasiosa e praticamente impossível de acontecer.
Formado por um peculiar universo de personagens interpretado por actores talentosos, onde não falta um Edward Norton como um atrapalhado chefe dos escuteiros a quem ninguém obedece, um Bill Murray na sua habitual colaboração com Anderson (o quinto filme do cineasta em que Murray participa) como o carismático pai de Suzy, Bob Balaban como o narrador e apresentador da geografia do território, Bruce Willis como um agente da autoridade sui generis, e claro está um casal ternurento interpretado por Jared Gilman e Kara Hayward. É nos personagens de Gilman e Hayward que está o centro da narrativa, é devido às suas acções que todos os outros parecem despertar de uma letargia que até então parecia ignorar a existência dos mesmos. A troca de correspondência entre Suzy e Sam é paradigmática da solidão sentida por cada um dos personagens e a consciência de que estes têm de não serem como as outras crianças das suas idades. Sam é o paradigma do rapaz alienado da sociedade, ao apresentar uma personalidade reservada, um visual peculiar e claro está um conjunto de atitudes que o leva a ser impopular perante os outros, mesmo que estes não saibam porquê. Não deixa de ser curioso tentar imaginar os momentos em que Wes Anderson e Roman Coppola estiveram a criar estes personagens e a forma como estes se inserem neste mundo fantasioso que criaram, onde os bons desempenhos dos elementos do elenco encontram paralelo na realização de Wes Anderson, no trabalho de fotografia de Roberty Yeoman e na banda sonora sublime de Alexandre Desplat.
 Se não aprecia o estilo de Wes Anderson, o mais provável é que "Moonrise Kingdom" não contribua para alterar a sua posição em relação ao filme. Se já está familiarizado com o género de filmar e universo narrativo criado pelo cineasta, já sabe que pode contar com um peculiar conjunto de personagens, uma realidade fantasiosa, uma utilização muito particular da paleta de cores (os tons verdes (relva), bege (equipamento dos escuteiros), amarelo (roupa dos pais adoptivos de Sam), que resultam numa profusão de cores que adensam o momento e os sentimentos representados, notando-se uma atenção ao pormenor notável ao ponto do guarda-roupa dos personagens muitas das vezes combinar com os cenários e estados de espírito.
Algo excêntrico, este universo procura captar uma certa pureza e candura na sociedade que parece ter sido colocada de lado na sociedade contemporânea, comunicando com os seus espectadores de forma algo peculiar, tal como os seus personagens procuram comunicar de forma pouco habitual nos dias de hoje: cartas e telefone fixo. Sem Facebook, sem internet, estamos nos Estados Unidos da América de 1965, não o território real, mas o idealizado por Wes Anderson e Roman Coppola, um local onde as crianças guardam a esperança do amor e da felicidade e os adultos surgem algo desencantados da vida. Veja-se os casos do casal interpretado por Bill Murray e Frances McDormand, os pais de Suzy. Estes vivem na mesma casa mas pouco comunicam, os gestos de afecto são poucos, sabemos que esta o trai, necessitando de um megafone para poderem falar nas diferentes divisórias da casa. Estes são o ponto dicotómico de Suzy e Sam. As crianças procuram fugir de tudo e de todos para estarem juntos. O casal de adultos procura estar afastado dentro do seu espaço de união.
 Com um domínio magnífico da mise en scéne, um universo delicado e fantasioso que procura captar uma pureza perdida, Wes Anderson tem em "Moonrise Kingdom" uma obra que pode não ser a melhor do seu currículo, mas é uma das obras onde o estilo do cineasta parece mais aprumado, uma obra onde um amor entre dois pré-adolescentes desencadeia uma série de eventos peculiares que afectam todos à sua volta. No início de "Moonrise Kingdom", um personagem salienta que "podemos escutar quatro famílias diferentes da orquestra a tocar a mesma canção de Purcell em diferentes formas". Qual maestro que comanda uma orquestra, Wes Anderson conduz os vários elementos do filme e transporta-nos para uma realidade fantasiosa que nos evade do real e coloca-nos perante um regresso à infância, numa composição magnificamente elaborada. Bravo Maestro. 


Classificação: 4 em 5
Título original: “Moonrise Kingdom”.
Realizador: Wes Anderson.
Argumento: Wes Anderson e Roman Coppola.
Elenco: Jared Gilman, Kara Hayward, Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Bob Balaban, Tilda Swinton, Jason Schwartzman.

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