Escrever uma crítica sobre a adaptação cinematográfica de uma série de manga e anime muito populares é sempre deveras complicado, sobretudo quando esta nos desarma e surpreende pela positiva como "Rurouni Kenshin", a adaptação da série de mangá "Rurouni Kenshin: Meiji Swordsman Romantic Story", mais conhecido por "Samurai X".
Escrita e ilustrada por Nobuhiro Watsuki, a série literária foi publicada entre 11 de Abril de 1994 até 4 de Novembro de 1999, tendo recebido uma popular adaptação em anime, que ajudou ainda mais à criação de uma legião de fãs em volta da história de Himura Kenshin, ou se preferirem, Battōsai. Toda esta popularidade conduziu a que a notícia da adaptação de "Samurai X" ao grande ecrã, em live action, tivesse sido recebida com um misto de entusiasmo e cautela por parte dos fãs. Para surpresa geral, o filme foi um sucesso de bilheteira, tendo facturado mais de 60 milhões de dólares e recebido críticas relativamente positivas e provavelmente terá direito a sequela. Depois de visionado, será que o filme consegue manter as expectativas? Seja fã da série ou não, "Rurouni Kenshin" promete proporcionar mais de duas horas de bom entretenimento, onde somos apresentados à história de um ronin com um estrito código moral, que passa por nunca mais assassinar alguém, procurando esquecer o seu passado de matança. Como é que Battosai chegou a este juramento para com a sua espada? Isso é logo explicado no prólogo do filme.
Negro, violento, acompanhado por um cenário cheio de neve, o prólogo de "Rurouni Kenshin" apresenta Hitokiri Battōsai (Takeru Sato) no meio da Batalha de Toba-Fushimi, um conflito sangrento que colocou em oposição as forças pró-Imperiais contra a guarda do Xogunato Tokugawa. A vitória sorri às forças imperiais, a morte e devastação cobre o cenário, enquanto o hábil assassino Battosai olha desolado para o cenário, deixando o mesmo num estado lastimável devido a todas as mortes que causou, fruto da sua habilidade com o Battōjutsu, técnica que o caracteriza, ajudando à implementação da chamada Restauração Meiji.
Uma década depois da Restauração Meiji, Battōsai segue como um viajante pelo Japão sob a identidade de Himura Kenshin, procurando cumprir o voto de nunca mais voltar a assassinar ninguém, distinguindo-se pela cicatriz na sua cara e pelo facto de estar sempre acompanhado com uma espada com a lâmina ao contrário. No meio da paranoia dos assassinatos causados supostamente por Battōsai, Kenshin acaba por deparar-se pela primeira vez com Kamiya Kaoru (Emi Takei), uma jovem que, ao encontrar o protagonista, acreditando na possibilidade de este ser o assassino, cedo parte para o ataque. Claro está que Kenshin consegue livrar-se inicialmente da suspeita, sobretudo quando Udo Jin-e, o assassino que se faz passar por Battōsai (um sobrevivente da batalha de Toba-Fushimi), surge e logo é alvo da fúria da jovem por utilizar o nome do dojo Kamiya, que foi deixado de herança a Kaoru. Com Kaoru em perigo, Kenshin decide salvar a jovem do seu antagonista, iniciando-se um conflito que terá repercussões no último terço da narrativa.
Se pensa que a vida de Kenshin fica mais fácil depois deste episódio, pode ficar bem enganado, pois este é apenas o mero aperitivo para o que aí vem, com o protagonista a ter de lidar com um perigoso grupo que ataca o dojo de Kaoru, a ser preso e a ser convidado a lutar pelo imperador contra o tráfico de ópio, um negócio ilegal que se encontra a ser controlado por Kanryu Takeda (Teruyuki Kagawa), um indivíduo que conta com os serviços de Udo Jin-e e Takeni Megumi (Yu Aoi), uma mulher que é forçada a fabricar ópio. Escusado será dizer que Kenshin inicialmente recusa qualquer acção que envolva matar outras pessoas, procurando cumprir o seu voto, mas cedo é levado a ter de utilizar as suas habilidades quando os seus destinos enfrentam os de Takeda, indo contar com a ajuda de Megumi, após esta ter conseguido fugir do jugo do antagonista, e do seu antigo rival Sagara Sanosuke para combater a ameaça que se abate sobre todos os conhecidos de Kenshin.
"Rurouni Kenshin" é o exemplo paradigmático de que se pode adaptar uma série de anime e/ou manga mantendo o espirito do formato original (incluindo o visual dos personagens) e não fazer uma valente borrada como aquela que foi efectuada em "Dragon Ball: Evolution". Com lutas magnificamente coreografadas, humor, uma história cativante, boas interpretações, "Ruroni Kenshin" surpreende pela positiva ao conseguir manter um visual relativamente fiel ao material original e criar uma adaptação que não ofende os fãs e promete cativar a atenção dos não seguidores da franquia.
Realizado por Keishi Ohtomo, naquela que é a segunda longa-metragem do cineasta, "Rurouni Kenshin" surge como um filme de acção cheio de ritmo, que sobressai não só pelas lutas cheias de intensidade e bem coreografadas, mas também pela banda sonora adequada a cada momento (incrementando as cenas de acção) e pelo bom desempenho de Takeru Sato como Himura Kenshin. Com o cabelo avermelhado, maquilhado com a cicatriz habitual de Kenshin, Sato revela-se a escolha indicada para o papel, expondo as dificuldades encontradas pelo seu personagem em mudar e fugir ao seu passado, enquanto mantém uma interacção interessante com os elementos secundários, sobretudo Emi Takei e Munetaka Aoki. Takei intepreta Kaoru, a dono do dojo Kamiya, que cedo entra em confronto com Kenshin, mas logo formam uma forte amizade, com a actriz a ter um desempenho bastante seguro, sobretudo nos momentos de maior tensão. Se o início da amizade de Kenshin com Kaoru foi complicado, o mesmo se pode dizer em relação à amizade que este forma com Sanosuke, que logo surge num combate entre ambos, onde este último revela um talento enorme para manejar a sua zanbatō, mas também uma ineficácia brutal para derrotar o seu opositor que cedo o convence a deixar a vida de mercenário. Munetaka Aoki surge como um personagem carismático, embora nem sempre bem aproveitado pela narrativa, surgindo não só como o aliado inesperado de Kenshin, mas também como alívio cómico (aquela pausa para a refeição e beber vinho durante um combate feroz é hilariante).
Os elementos cómicos de "Rurouni Kenshin" não se ficam apenas por Sanosuke, sendo uma vertente relativamente importante do filme (veja-se o relacionamento entre Kenshin e Kaoru), sobretudo para aliviar os elementos de maior tensão, com o filme a aproveitar um elemento que fora importante no animé. Diga-se que a comédia nem sempre resulta, sobretudo quando esta surge associada ao caricato antagonista interpretado por Teruyuki Kagawa, um actor que tem um desempenho regular, mas que muitas das vezes surge como o elo mais fraco da narrativa. Embora não tenha um argumento magnificamente elaborado, "Rurouni Kenshin" consegue explanar de forma paradigmática a complexidade inerente ao protagonista, um indivíduo movido por valores morais em detrimento do capital, sendo o oposto do antagonista interpretado por Teruyuki Kagawa. Esta dicotomia entre os valores morais e o capital surge sobretudo para ilustrar a jornada de redenção de Kenshin, num Japão que vive em plena Era Meiji, um período para o qual contribuiu (ficcionalmente, como é óbvio), onde pouco parece ter mudado.
Otomo não procura representar o território real do Japão, mas sim um território ficcional, mas recheado de elementos históricos. Veja-se que surge bem representada uma tentativa de modernização do território, acompanhado por uma maior abertura ao Ocidente (no discurso político logo seguido do prólogo), mas também através da diminuição dos poderes do Samurai, com o Imperador a favorecer um exército mais próximo da realidade ocidental, com os samurais a deixarem de ter o direito de utiliza a espada, bem como a deixarem de ter o direito de executar sumariamente os acusados (representado através da figura de Saitō Hajime). Esta representação do contexto histórico, ainda que de forma ficcional, não só incrementa a narrativa, como demonstra o cuidado colocado nesta adaptação, que apesar de contar com alguns defeitos consegue ser bastante satisfatória.
Apesar das várias qualidades apresentadas, não deixa de ser notório a incapacidade de "Rurouni Kenchin" em tentar "meter o Rossio na rua da Betesga", ao procurar desenvolver vários relacionamentos, apresentar vários personagens secundários e subtramas que nem sempre são desenvolvidos, algo que acontece com o relacionamento entre Kenshin e Sanosuke, que surge como um dos bons elementos do último terço da narrativa, mas raramente é desenvolvido ao longo da história. Se existem alguns problemas a nível do desenvolvimento da narrativa, o mesmo não se pode dizer das cenas de luta, sendo particularmente emocionantes os combates protagonizados por Kenshin, com o seu intérprete a apresentar uma destreza impressionante e a equipa de efeitos especiais e responsável pela coreografia a estarem de parabéns.
"Rurounin Kenshin" é um exemplo de entretenimento leve, bem elaborado, que respeita o material de origem e o espectador, resultando numa obra cinematográfica surpreendente, que conta com todos os ingredientes para agradar ao grande público. Acção, drama, humor, lutas magnificamente coreografadas, uma banda sonora cheia de ritmo, "Rurounin Kenshin" não precisa de tratar o espectador como idiota para entretê-lo, proporcionando duas horas de bom entretenimento. Venha uma sequela com a mesma qualidade.
Classificação: 4 em 5.
Título: “Rurouni Kenshin”.
Realizador: Keishi Ōtomo.
Argumento: Keishi Ōtomo e Kiyomi Fujii.
Argumento: Keishi Ōtomo e Kiyomi Fujii.
Elenco: Takeru Sato, Emi Takei, Teruyuki Kagawa, Yu Aoi, Koji Kikkawa, Genki Sudo, Eiji Okuda.
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